Pedro V Feu Rosa
Há uma conhecida piada segundo a qual, quando da Criação, o Brasil teria sido privilegiado com riquezas imensas e poupado dos desastres naturais que atingem outros países para compensar o ‘Zé-Povinho’ que seria colocado aqui. De tão repetida, esta piada virou verdade aceita: a culpa pelo atraso do Brasil é do ‘Zé-Povinho’! Será? Pense em João, morador de um barraco situado em uma das mais de 3.100 favelas espalhadas pelo Brasil. Lá, como em cerca de 60% dos domicílios brasileiros, não há rede de esgoto. Por conta disso ele sofre rotineiramente de disenteria, já teve hepatite, cólera etc. Aliás, no Brasil morrem cerca de 20 crianças por dia vítimas da falta de esgoto sanitário – foi assim que João viu morrer diante de seus olhos, no corredor lotado e fétido de um Pronto-Socorro, seu único filho. Bem, como políticas públicas de saneamento nunca foram concebidas pelo ‘Zé-Povinho’, creio que João não tenha culpa por este horror. Entre uma disenteria e outra João tem sempre fraqueza e dificuldade para aprender até coisas simples. É a falta de ferro no organismo, João! Segundo a ONU um brasileiro médio não supre sequer um terço das necessidades mínimas recomendadas de vitaminas e sais minerais. É por isso que o Brasil tem a maior relação de farmácias por habitante do mundo. Mas vamos lá: também aqui, como a saúde pública nunca foi gerenciada pelo ‘Zé-Povinho’, creio que João não tenha culpa. Nos finais de semana João gostava de tomar uma cervejinha no boteco da favela. Mas até isto está difícil, por causa da bandidagem. Entre um tiroteio e outro João vai levando sua vida, sem desconfiar que no Brasil apenas 2% dos crimes são punidos. Ainda aqui, como o ‘Zé-Povinho’ nunca gerenciou nosso aparato de segurança pública e judicial, podemos afirmar que ele é inocente. E assim, de exemplo em exemplo, não será difícil concluirmos que quem está falhando na construção do Brasil não é o povo mais humilde – este, ‘aos trancos e barrancos’, está lá nas fábricas, nas construções e no comércio dando sua contribuição. Se mais não faz, com toda a certeza é porque serviços públicos sob a influência de pessoas cultas e instruídas não lhes proporcionou, durante a tão importante fase da infância, saúde, educação e condições dignas de vida. Nossa culpa, nossa tão grande culpa.
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