POR PEDRO VALLS FEU ROSA –
Um dos aviões mais populares do mundo é o Boeing 737, capaz de carregar entre 124 e 215 passageiros dependendo da versão. Pois bem: faça um exercício de imaginação e pense em um avião destes ocupado exclusivamente por crianças – imagine 200 delas viajando nele rumo à Disney. Agora tente conceber um horrível acidente que cause a morte de todas estas crianças. Seria um escândalo, uma comoção nacional.
Em seguida tente imaginar um acidente desses a cada mês! Sim, é isso mesmo: a cada mês um Boeing lotado de crianças se espatifando no chão e causando a morte de todas elas. Seria um escândalo mundial! Investigações seriam abertas, passeatas pediriam a punição dos culpados e toda a população manifestaria sua revolta diante deste descaso para com a vida humana.
Pois é. No Brasil estimou-se que diariamente morrem 7 crianças menores de 5 anos devido a doenças decorrentes da falta de saneamento básico – são 210 crianças por mês só nesta faixa de idade, ou mais do que um Boeing lotado. E isto não causa impacto algum! Caiu na rotina! Que diferença faz um avião!
Realmente não dá para entender: se estas crianças estivessem morrendo dentro de modernas aeronaves seria um escândalo de gravíssimas proporções. Mas como estão morrendo de doenças como cólera, disenteria, hepatite e gastroenterite tudo passou a ser ‘um simples problema social decorrente do processo de desenvolvimento’ e pronto!
Enquanto isso, há não muito tempo divulgou-se que 53% dos brasileiros não têm acesso a saneamento básico. Concluiu-se – e eis aí o aspecto mais grave – que a ser mantido o ritmo histórico de investimentos nesta área a rede de esgoto só chegará para a totalidade da população no ano de 2122, quando o Brasil estiver celebrando seus 300 anos de independência!
O problema é mundial. Segundo a ONU falta saneamento básico para 2,6 bilhões de pessoas, ou 41% da população mundial. Isto causa a morte de 42 mil pessoas por semana, e de uma criança a cada 20 segundos. Este problema poderia ser solucionado em 20 anos, com investimentos anuais de 10 bilhões de dólares – o equivalente a 1% dos investimentos militares feitos anualmente no mundo. Assim, talvez seja a hora de recordarmos as palavras de James Reston, segundo quem “todas as decisões políticas baseiam-se na indiferença da maioria”.
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Pedro Valls Feu Rosa é jornalista, escritor e desembargador no ES. E escreve regularmente para a AGENCIA CONGRESSO.
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