MALUCO – Raimundo Nonato continuava determinado em seus propósitos.Foi então que o comandante Murilo fez uma ação que foi crucial para desfecho da história. Ele tirou o avião do piloto automático e executou um tonneau(manobra em que o avião dá uma volta completa ao redor de seu eixo longitudinal) para ver se o sequestrador perdia o equilíbrio.
A maioria dos passageiros não tinha a real percepção da gravidade dos fatos. Sabiam que o voo estava sendo sequestrado mas nem imaginavam que a intenção do sequestrador era jogá-lo sobre o Palácio do Planalto e que o copiloto estava morto.
Um dos poucos que sabia e presenciou o assassinato foi o representante comercial Francisco de Assis Couto. “Eu estava sentado bem na frente, perto do Raimundo. Eu vi quando ele atirou no copiloto, que ele caiu no manche. Foi muito assustador”, revela Chico, de 74 anos, irmão de Ronaldo Costa Couto, ministro-chefe da Casa Civil na época e que ficou sabendo da presença dele a bordo no decorrer do voo.
Em Brasília, o voo Vasp 375 se tornara assunto de estado como lembra o escritor especializado em desastres aéreos Ivan Sant’anna. Em 2000, ele lançou Caixa Preta, livro que traz detalhes deste incidente aéreo.
“O ministro da Aeronáutica, o diretor da PF todo mundo foi informado do assassinato e do sequestro e então enviaram um Mirage para acompanhar o Boeing”, relata Ivan. Foi na hora que viu o caça que Cláudio percebeu que a coisa era realmente séria. Já Alfredo sentiu o oposto. “Achei que ele estava ali para nos proteger”, comenta.
Quando estava sobrevoando Brasília, Fernando Murilo se deparou com algumas nuvens e informou ao sequestrador que não havia como pousar na capital federal. Raimundo mandou seguir para Anápolis e logo depois, mudou o destino: Goiânia.
“Foi aí que mostrei para ele o marcador de combustível e falei que o avião ia parar de funcionar e a gente ia cair. Ele nem quis saber. Eu continuei sobrevoando a pista de Goiânia e aí ele soltou: ‘Vamos para São Paulo’. Comecei a ficar desesperado porque se a gente mal tinha combustível para ali perto, que diria São Paulo”, recorda.
Manobras
Raimundo Nonato continuava determinado em seus propósitos. Foi então que o comandante Murilo fez uma ação que foi crucial para o desfecho da história. Ele tirou o avião do piloto automático e executou um tonneau (manobra em que o avião dá uma volta completa ao redor de seu eixo longitudinal) para ver se o sequestrador perdia o equilíbrio.
“Assim que terminei o tonneau vi que ele ainda continuava de pé. Foi então que decidi partir para uma manobra mais arriscada, o parafuso (o avião perde a sustentação e cai de bico, girando as asas como um pião; a aeronave gira descendo)”, explica.
Murilo já tinha executado essa manobras algumas vezes durante a época em que foi aviador militar. Mas nunca tinha feito um parafuso com um boeing. “Um dos motores havia parado e eu pensei, como vou morrer mesmo, vou arriscar. Parti para o tudo ou nada. Já que vou morrer, vou morrer brigando porque, pelo visto, ele não ia me deixar pousar”, justifica.
Quando concluiu o parafuso, o piloto percebeu que Raimundo estava caído. A pista estava logo à frente do comandante, que não titubeou: aterrissou. “Eu te confesso que não imaginava que ia dar certo. Foi uma grande sorte. As manobras foram primordiais para que tudo desse certo”, garante.
Apesar de a manobra ter sido rápida, quem estava a bordo sentiu os efeitos. O engenheiro Renato Neves achou que o piloto tivesse sido atingido e, por isso, o avião estava rodopiando.
A façanha do comandante Murilo, no entanto, não é reconhecida pela Boeing. Mesmo com testemunhas dentro e fora do avião, a empresa nunca homologou o feito. “Isso nunca tinha acontecido na aviação comercial. Eles alegam que é praticamente impossível um Boeing executar isso. E o gravador de bordo também parou de funcionar e não registrou o que ocorreu”, analisa Ivan Sant’anna.
Mas a história ainda estava longe de acabar. O alívio era grande por, pelo menos, estarem em solo. Mas Raimundo recuperou a pistola e continuou com as ameaças. “Ele queria ir para Brasília de qualquer jeito e eu expliquei que aquele avião não teria como decolar de novo”, frisa Murilo.
Depois de muita negociação, envolvendo Polícia Federal, Secretaria de Segurança Pública de Goiás e a própria Vasp, Raimundo Nonato aceitou embarcar em um Bandeirante da Força Aérea Brasileira. No entanto, levou o comandante Murilo como refém. “Antes disso, eu pedi a ele que liberasse o corpo do Vângelis e os feridos para fora da aeronave. Foi só ai que a tripulação e os passageiros se deram conta da tragédia. Foi uma comoção”, lembra.
Quando desceram do boeing, Murilo e o sequestrador se dirigiram para o avião menor que não tinha escada e nem porta. Era uma armadilha para Raimundo Nonato Alves da Conceição. “Você não vai me trair né?”, questionou o maranhense ao encarar o piloto.
“Não. Não vou. Vai dar tudo certo”, garantiu. Como Raimundo era baixinho, Murilo teve que fazer um calço com as mãos para ajudá-lo a subir no Bandeirante. “De repente veio um tiro na nossa direção e quase me pegou. Tinha um atirador de elite escondido na aeronave. Eu soltei o Raimundo e sai correndo em zigue-zague. Nem sei porque eu corri daquele jeito. Na mesma hora, ele pegou o revólver e começou a tirar em mim. O Raimundo havia confiado em mim e se sentiu traído. Um tiro pegou na minha perna; até hoje tenho a marca, mas consegui correr de volta até o boeing”, narra.
Fernando Murilo e os tripulantes Gilberto Renhe e Ronaldo Dias, além do próprio Raimundo, foram levados para o hospital Santa Genoveva, na capital goiana. Alguns dos passageiros seguiram para a delegacia para prestar depoimentos, mas a maior parte se dirigiu a um hotel.
Já Renato ressalta o papel não só da tripulação e dos passageiros, que conseguiram manter a calma mesmo em um momento tão delicado, mas principalmente, a atuação do piloto.
Para o comandante Fernando Murilo, o pior momento foi, sem dúvida, a execução de seu amigo e parceiro de cabine, Salvador Evangelista, com apenas 34 anos. Na hora do ocorrido, o piloto desabou em lágrimas, mas conseguiu manter o controle emocional e administrar toda a situação.
“Eu não parava de chorar porque senti muito a perda dele e daquela forma estúpida. Cheguei a falar com o sequestrador que ele tinha matado um cara do bem, pai de família e que tinha deixado uma filha pequena. O Raimundo não queria nem saber. Eu estava sozinho com 100 pessoas a bordo e tudo dependia de mim. Mas consegui me acalmar e conduzir da melhor forma possível”, avalia o piloto, com os olhos marejados.
Durante um bom tempo, o comandante teve dificuldades para dormir e chegou a ter acompanhamento de psicólogos e até a tomar tarja preta. “Eu sonhava muito com tiro ou tinha a impressão de ouvir tiros a qualquer momento do dia. Mas ainda bem que tudo se resolveu. Voltei a voar um mês e meio depois e fiz cinco vezes seguidas a mesma rota: Porto Velho – Rio com escala em Goiânia, Brasília e BH. Foi justamente para ver se tinha algum trauma”, diz.
Ao longo dos anos, o piloto não teve mais contato com os passageiros, a não ser um grupo de alemães que volta e meia retornava ao Brasil para celebrar a data. “Não deixa de ser um renascimento. Brinco que completei 71 anos em 19 de setembro, dia que nasci, e 30 anos, em 29 de setembro, quando renasci”, ressalta.
O comandante chegou a receber algumas medalhas e honrarias por seu heroísmo, mas sequer recebeu um “obrigado” de José Sarney. “Ele nunca me dirigiu a palavra. Nunca me agradeceu. Mas não tenho mágoa. Estou tranquilo com minha consciência e sei que fiz meu papel”, assegura.
Morte cercada de mistérios
Após investigações, ficou provado que Raimundo Nonato Alves da Conceição havia planejado o ato. Em seus pertences, foram encontradas passagens de avião do trecho Rio-BH.
Segundo a polícia, o sequestrador estava testando quais dos aeroportos eram mais vulneráveis. Naquela época, os aparelhos de raios-X e detectores de metal não eram utilizados para verificar bagagens no aeroporto de Confins, o que permitiu a passagem livre do maranhense.
“Ele entrou com munição, arma. Na época dos atentados das Torres Gêmeas, essa história interessou muitos pilotos norte-americanos. Treze anos antes do World Trade Center, nós tivemos aqui no Brasil um caso de alguém querendo jogar um avião em um prédio público. Só que no caso dos EUA, eram terroristas e, no nosso, se tratava de um maluco”, examina Ivan Sant’anna.
A Vasp deixou de operar em 2005 e teve a falência decretada três anos depois.
Com informações do Estado de MInas)