José Júlio Senna chefe de estudos monetários do FGV-Ibre Foto: Bianca Gens/FGV

BRASÍLIA – Para o chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV-Ibre e ex-diretor do Banco Central, José Júlio Senna, 73 anos, o mundo está passando por uma transformação estrutural que afeta o desempenho da economia. A tendência nesse cenário é de manutenção do baixo patamar de crescimento nos próximos anos.

“Não vejo forças mudando esse cenário. Esse novo quadro veio para ficar, de crescimento baixo, inflação baixa, juros baixos, dólar relativamente forte. É com esse cenário que vamos ter que conviver”, disse.

Na visão do economista, as tensões observadas no comércio internacional, com aumento do protecionismo e disputas entre Estados Unidos e China, refletem o incômodo geral das nações com o fraco desempenho da economia em comparação ao observado em décadas passadas.

“Todos os formuladores de política econômica querem crescimento elevado. Quando percebem que isso está sob ameaça, bate o nervosismo. Chamaria [as tensões] de reação natural a esse quadro”, disse. Para ele, a guerra comercial acentua 1 processo já observado ao longo da última década de redução nas transações entre países.

Ele coloca ainda que, nesse novo contexto, os cortes das taxas básicas de juros têm efeito limitado sobre o desempenho econômico. “Esse mundo novo traz à tona situações em que o estímulo monetário não tem tanta força”, explicou.

O economista afirmou que concorda com o Banco Central brasileiro quando diz que os ventos que vêm de fora são favoráveis para o país, principalmente no que diz respeito à tendência de queda dos juros no exterior.

Ele acrescenta que diante desse cenário relativamente benigno o Brasil deve aproveitar o momento “para avançar nas reformas” e “tornar o país mais atrativo frente a outros emergentes”. 

Confira trechos da entrevista:

Vivemos 1 momento de desaceleração da economia global, tensões comerciais entre China e Estados Unidos, tendência de queda dos juros em grandes economias, etc. Qual é o panorama na economia internacional?

José Júlio Senna: A economia mundial está passando por uma transformação significativa desde mais ou menos a crise financeira de 2008 e está difícil imaginar em que momento esse quadro irá se alterar. As mudanças que estão em curso são de natureza estrutural e têm a ver com forças do segmento real da economia, não financeiro.

Um exemplo dessa mudanças vem da demografia. A população cresce em ritmo mais lento, a expectativa de vida aumentou, isso faz com que as famílias poupem mais. Além disso, desde os anos 1970 observa-se uma piora na distribuição de renda no mundo desenvolvido. Isso prejudica o consumo, porque a renda passou a beneficiar os mais ricos, que poupam mais. Na mesma direção, o avanço da tecnologia levou os mais qualificados a ganharem mais.

Outro fator relevante é que as grandes empresas hoje, de tecnologia, demandam menos recursos. Não dá para comparar a Apple com uma fábrica de automóveis.
Há muitos exemplos de aumento de poupança e contração dos investimentos. Quando a poupança aumenta é porque a sociedade está consumindo menos.

Quando os investimentos se deslocam para baixo prejudicam o crescimento. Ou seja, entramos em 1 mundo novo, de crescimento mais baixo. O mundo moderno é marcado pelos países desenvolvidos, com nítida influência sobre os emergentes, caracterizados por crescimento, inflação e juros mais baixos.

Então, o aumento das tensões que estamos vendo agora está ligado a esse cenário mais perene de baixo crescimento? 

Exato. Estamos vivendo experiências agora que estão acentuando as características de 1 novo período experimentado pelo mundo moderno. As tensões atuais são no âmbito do comércio internacional.

O auge da globalização ocorreu entre 1980 e 2010, nesse período o comércio internacional cresceu bem mais que a economia. Às vezes mais do que o dobro. A partir de 2010, essas mudanças na economia real às quais me referi fizeram a força do comércio se reduzir.
Hoje, há retração do comércio mundial, com o protecionismo do Trump e retaliações da China, mas o comércio já estava retraído durante toda a década.

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As medidas protecionistas do Trump fazem o comércio internacional perder ainda mais gás. E com isso a desaceleração da economia mundial se acentua.

Acha que as tensões que vimos nesta semana são de certa forma passageiras? 

Acho que sim e as atribuiria à situação incômoda que esse novo cenário acarreta. Todos os formuladores de política econômica querem crescimento elevado. Quando percebem que isso está sob ameaça, bate o nervosismo. Chamaria [as tensões] de reação natural a esse quadro. Historicamente nunca tivemos uma fase de crescimento tão baixo.

Como essa mudança no cenário afeta os emergentes, especialmente o Brasil? 

O próprio BC tem respondido a essa pergunta dizendo que o cenário internacional é benigno. Ou seja, que os ventos que vêm de fora nos ajudam, tendo em mente principalmente os juros mais baixos.

Concordo que o cenário é benigno, mas há 1 detalhe importante: a parte cambial não está indo tão bem. Provavelmente não teremos recessão profunda, o fenômeno mais provável é a continuação da desaceleração da economia mundial, mas com os  Estados Unidos saindo privilegiados, não se desacelerando tanto quanto os demais.

Então, o dólar fica forte. Existe uma força externa muito relevante que dificulta a apreciação do real mesmo na presença de medidas de ajustes e reformas da economia brasileira.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, está dizendo que o cenário internacional ficou mais conturbado, mas que o BC está tranquilo. O que vê para o ambiente externo no futuro?

Não vejo forças mudando esse cenário. Esse novo quadro veio para ficar, de crescimento baixo, inflação baixa, juros baixos, dólar relativamente forte. É com esse cenário que vamos ter que conviver.

Se o cenário está benigno, o que nos cabe fazer é avançar nas reformas para tentarmos diferenciar o país dos outros emergentes, torná-lo mais atrativo. O mundo está favorável para os emergentes, se o Brasil avança com reformas se diferencia dos outros.

Se o cenário internacional se deteriorar ainda mais, isso pode prejudicar a tendência de queda de juros no Brasil?

Com certeza, mas não tenho essa preocupação. Acho que não teremos mudanças muito exacerbadas no cenário internacional tão cedo.

Qual a influência que a queda da taxa de juros consegue ter hoje sobre o crescimento?

É muito reduzida. Mesmo. Esse mundo novo traz à tona situações em que o estímulo monetário não tem tanta força. O primeiro a falar sobre isso foi o Keynes e os economistas da década de 1970, 1980 não gostavam dessa ideia. Mas há situações em que pode colocar os juros em zero que a resposta não vem.

Para que a política monetária funcione, as famílias e as empresas precisam querer contratar crédito. No caso do Brasil, a oferta de bens e serviços está emperrada há décadas, pela carga de impostos alta, pela burocracia alta, pelo baixo investimento em infraestrutura. Então, reduzir os juros resolve só 1 dos problemas.

Fonte: Poder 360

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