Pedro Valls Feu Rosa

Dia desses alguém resolveu furtar uma bicicleta. Surgiu daí um processo. Fiz algumas contas: foram 42 servidores, um Delegado de Polícia, um Juiz de Direito, um Promotor de Justiça, três Desembargadores e um Procurador de Justiça, ao longo de dois anos, discutindo o caso – que acabou em uma pena alternativa. Há algum sentido nisso?

Fiquei a recordar-me de um outro acusado, preso em flagrante, que confessou seu crime na delegacia. Todas as testemunhas presentes no local foram ouvidas, e disseram a mesma coisa.

O inquérito, uma vez concluído, foi para o sistema judiciário – que, por força de lei, ouviu todos novamente nos dois anos seguintes. Para que, afinal?

Uma pessoa alugou dado imóvel. Terminado o prazo da locação o inquilino decidiu nele permanecer. Se isto tivesse acontecido nos EUA ou no Reino Unido uma simples ida a alguma delegacia de polícia teria sido suficiente.

Mas não aqui: o caso foi parar nas mãos da pesada e sobrecarregada estrutura judiciária – que levou alguns bons anos para resolver o problema.

Alguém tem algo a receber do Estado. Temeroso, o administrador de plantão acaba judicializando a questão – afinal, não quer ser responsabilizado posteriormente.

Foi assim que certa vez assinei um alvará de R$ 0,54. É assim que constatou-se ser o Estado o maior litigante do sistema judicial.

Os casos acima são comuns. Acontecem aos milhares, todos os dias. Nos termos da lei devem ser processados e julgados. Integram estatísticas. Acarretam cobranças dos órgãos de controle, pois que, afinal, “todos os processos são iguais”.

Acuadas, as instituições partem para o aumento de quadros e de despesas – que pouco ou mesmo nenhum efeito terá.

Enquanto isso acaba prejudicada a análise de processos os mais sérios, com imensos prejuízos para a cidadania e economia de todo um país.

Há muitos anos um advogado italiano, de nome Piero Calamandrei, nos alertava para o fato de que a ciência processual estava a cometer o sério pecado de estudar o processo como algo isolado, ao largo da realidade, distante, em uma expressão, da justiça.

Contemplo nossos juizados e tribunais, em tempos de tantas e tão importantes reformas, e fico a pensar neste grande profissional. E no sentido de nossas caminhadas pelo mundo das leis. O que temos sido, afinal? De que temos servido?
(O autor é desembargador no TJES)