Por Pedro Valls Feu Rosa

Europa, 1346 a 1353. Instala-se no seio da humanidade uma epidemia – e o pânico dela decorrente. Aterrorizadas em uma época de trevas as pessoas nos legaram lamentáveis exemplos de obscurantismo e fanatismo.

Acreditando que a doença era transmitida por bruxas, alguns chegaram à conclusão de que a saída era incendiá-las todas. Simples assim. Pela Europa afora disseminou-se esta prática. As fogueiras ardiam do Reino Unido ao Chipre, da Irlanda à Holanda etc.

O alvo seguinte foram os judeus. Eles teriam disseminado seletivamente a doença, a fim de atingir seus inimigos, varrendo-os da face da Terra. Foram registrados sérios atos de discriminação e agressões contra este povo.

Chegou-se, finalmente, como não poderia deixar de ser, ao fanatismo religioso puro e simples. Assim, a epidemia seria simplesmente um castigo divino aplicado a uma sociedade indigna de bênçãos.

Muitas pessoas, julgadas “pecadoras” pelos fanáticos de plantão, acabaram sendo alvo de agressões verbais e físicas. Enquanto isso, as penitências aplicadas aos crentes foram do bizarro ao cruel.

Em meio ao desespero geral por uma cura surgiram os aproveitadores mais vis. Comercializavam de amuletos a produtos imprestáveis e de relíquias religiosas a tratamentos inúteis – tudo por preços exorbitantes, claro. Explorou-se sem pudor a angústia e a credibilidade das pessoas.

Estas mercadorias e tratamentos “milagrosos” se transformaram em objeto de sérias disputas. Assim como no amor e na guerra, valia tudo! Alguns colocavam a serviço suas fortunas e outros a força física – o que importava era ter acesso àquele elemento tão vital que denominamos “esperança”. Muitos morreram por conta destes embates.

Que não se pense, sequer por um segundo, terem sido todas estas práticas algo restrito. Muito pelo contrário, foram adotadas por milhares de semelhantes nossos. Mas não os recriminemos em demasia: era uma época de trevas, afinal.

Agora faça uma experiência: substitua, na abertura deste texto, a expressão “Europa, 1346 a 1353” por “Planeta Terra, 2020”.

Em seguida troque a palavra “bruxas”, no segundo parágrafo, por “antenas de telefonia celular 5G”. Após concluir estas duas singelas alterações releia o texto.

Continua perfeitamente atual e compatível com o noticiário da nossa época. Uma época de trevas.

Pedro Valls é escritor e desembargador no ES