“Foi na baixa web que aqueles dois estudantes pirados tramaram a chacina de Suzano. Uma boa conversa, de preferência olho no olho, sempre pode evitar muita coisa ruim”

Dois amigos meus, embora distintos, têm o dom de exercitar uma mesma espécie de monólogo a dois. Pode ser durante um cafezinho, num papo de cerveja, naquelas conversas de se jogar fora, só para desopilar; invariavelmente eles empregam uma estratégia semelhante. Sempre que você analisa algo, os dois arrematam num duplo escarpado: “Exatamente, exatamente”, dito pausadamente, para ganhar tempo e seguirem em seu raciocínio. Ou formular outro. Então, você busca uma pausa tipo agulha no palheiro, e põe seu argumento.

Mas mesmo que você tenha feito ressalvas, eles voltam com o duplo e enfático “exatamente”. No máximo, repetem umas duas palavras que você utilizou e foram pescadas ao acaso. E logo retomam na abordagem que lhes interessa. Enquanto você discorre seu ponto de vista, eles simplesmente não escutam, pois andam em meio às próprias elucubrações. O “Exatamente, exatamente”, dito quase escandindo sílabas, é bengala oratória necessária para ganhar tempo e seguir no monólogo a dois.

E tem aqueles amigos ou conhecidos que simplesmente ignoram o que você eventualmente argumenta, seguem atropelando verborragicamente, metralhadora de oratória. Parecem adorar o som da própria voz. É o narciso supremo esculpido pela palavra. E claro, tem os boquirrotos, falam pelos cotovelos, os falastrões, contadores de vantagens, maioria sem pé nem cabeça. Você ouve ou faz de conta. Nessas horas, diante da verborragia alheia, o melhor é seguir uma lição do maestro Villa Lobos: “Ligue o ouvido de dentro, ignore o externo”, dizia ele, explicando como conseguia compor em meio a um jantar em família, casa lotada de gente, crianças a mil.

E no outro extremo, há os caladões, taciturnos, enigmáticos, alguns sombrios. Outros que buscam no silêncio o charme da timidez, em meio a um mundo cada vez mais ruidoso. Uns até exibem contida alegria, mas como abrem a boca pouco, a gente nunca sabe direito o que se passa na cabecinha deles. Por vezes parecem indiferentes a tudo, cara de paisagem. Tem ainda o falso tímido, que só observa, fica ali no seletivo mental. Quando, finalmente, o assunto é do seu interesse e domínio, ele desanda a falar. Dependendo da aceitação do grupo, arrisca até piadas. Sem graça, normalmente.

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O fato é que a indiferença ao diálogo, a dois ou em grupo, parece ser a pior das reações. Um amigo, músico, dá o tom comparando: “A pior reação não é a crítica negativa ao seu trabalho, é a indiferença que harmoniza com desprezo”. Essa é típica da turma do bloco que entra mudo e sai calado. Alguns só se revelam ocasionalmente fantasiados num bloco carnavalesco.

E agora, gerados pela tecnologia virtual, surge o bloco do diálogo na ponta dos dedos, num código bem peculiar, palavras encurtadas salpicadas de emojis. Dispensa a voz e a proximidade. Tudo à distância, descarta a entonação e a sinergia de gestos e olhares, ignora os cheiros. É a tecnologia substituindo o diálogo, criando grupos de afinidades, às vezes distanciando familiares e amigos.

Às vezes aproximando o inimigo. Lembra da carioca que conheceu pela internet um sujeito, lutador de jiu-jitsu, recebeu o cara para um jantar a dois em seu apartamento, e acabou violentamente espancada? Ah, sim, e foi na baixa web que aqueles dois estudantes pirados tramaram a chacina de Suzano. Uma boa conversa, de preferência olho no olho, sempre pode evitar muita coisa ruim.

Fonte: Tribuna Online – Luiz Trevisan é um dos melhores textos da imprensa capixaba.

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