Dez anos atrás o censo de imigrantes apontava Governador Valadares (MG) como a cidade brasileira que mais “exportava” pessoas rumo aos EUA. “Bora, fazer a América” era ouvido constantemente nas casas mineiras repetindo um bordão ancestral adotado dois séculos antes por imigrantes italianos, também apinhados em navios toscos, que então sonhavam encontrar na América do Sul, no Brasil, principalmente, o Eldorado tropical. Não foi bem assim, porém disso sabemos de cor e salteado.
 
Hoje, dentro de um cenário de crise e repleto de novas levas de imigrantes rodando pelos cantos do planeta – muitos quase todos pretos e pobres empilhados em porões de navios –, as grandes nações, ao invés de acolhimento, criam barreiras e cogitam erguer muros para detê-los. A contrapartida por tantos recursos naturais e humanos explorados secularmente não virá de mão-beijada. Já a classe alta vai para Miami, Paris, Suíça etc. enquanto a classe média, principalmente recém-formados em busca de intercâmbio e mercado, vai para o Canadá, Austrália, Nova Zelândia, EUA… Somente neste ano, 3.800 capixabas sairão do País em busca de oportunidades. Sem contar os incontáveis clandestinos.
 
Voltando ao “Bora, fazer a América”, isso de há muito me encafifa num raciocínio elementar: que País é este? Qual o seu futuro, se o que muitos dos seus filhos mais almejam é ir para os Estados Unidos lavar chão numa casa de chá, auxiliar em restaurante, higienizar cadáveres e limpar jardins? Lembro de alguns colegas que trocaram jornalismo e outras profissões por aventuras desse tipo.
 
Muitos retornaram, após certo tempo, não apenas por saudades da terrinha natal, mas também por problemas familiares ou com a imigração. Trouxeram histórias de aceitação e rejeição mescladas, alguns dólares economizados, enquanto o ciclo se repete. É como se a melhor saída ainda fosse o aeroporto internacional. E quanto mais aumenta o desemprego, pobreza e violência, maior o ímpeto de buscar um novo lugar.
 
Agora tem Portugal, outro sonho de consumo, principalmente de profissionais liberais e aposentados descontentes com Bolsonaro, com a insegurança e a qualidade de vida. Na época da ditadura militar, rolava uma piadinha entre os exilados e pretensos: brasileiro monoglota, baixo QI, tinha que ir mesmo para Portugal, a chamada “baixa Europa”. Hoje Portugal virou a “Europa boa e barata”, tem apreciável qualidade de vida e segurança, não sofre com terroristas e está a um mar de distância de um governo que parece mais interessado em criar polêmicas estéreis, como exaltar golpes e reclassificar a ideologia nazista.
 
Nos últimos anos, mudou também a consciência dos imigrantes: não são poucos aqueles que partem sem plano de retorno. Principalmente os que possuem especialização técnica e suporte financeiro. Já não vão para fora apenas para executar tarefas indesejadas, como lavar cadáver. Um conhecido, prestes a seguir para o Canadá, disse que antes do embarque fará igual Carlota Joaquina: vai bater o pó do sapato, para não levar nem a poeira daqui. Apontei que lá é muito frio, o sol coisa rara, somente poucos meses do ano. Argumentou que a educação de lá – o país lidera ranking de qualidade e inovação – precisa ser levada em conta. Quanto ao frio glacial? “Você entra num shopping, que é uma pequena e confortável cidade climatizada, e deixa o gelo lá fora. Ademais, somos a espécie mais adaptável do planeta…”
 
Isso me lembrou a simulação de uma futura colônia humana em Marte: um sujeito, naquele mundão deserto de poeira vermelha, dentro de uma estufa climatizada tocando violão diante de um telão que reproduz o mar e a floresta. É para não pirar. Bem, e quando tivermos de fazer como naqueles filmes de ficção e formos embarcados congelados naquelas naves rumo ao infinito em busca de um novo lugar?
 
Teremos pela frente apenas territórios inóspitos e a convivência com monstros gosmentos? Nesse aspecto, diante da atual distopia, parece que iniciamos o processo de climatização. E aí já não se pode dizer que o governo nada faz, pois está acabando com o horário de verão. De resto, já fotografamos o buraco negro. Agora sabemos que chegar até ele pode ser apenas questão de tempo.

 

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Luiz Trevisan é jornalista e músico do Espírito Santo. Escreve canções, lançou dois discos autorais, e é autor de documentários.

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