BRASÍLIA – AGÊNCIA CONGRESSO – O Projeto de Lei (PL) 159/20, do ex-deputado federal Sérgio Vidigal (PDT), atual prefeito de Serra – que impõe a apresentação de um laudo psiquiátrico e psicológico para candidatos a cargos eletivos – está parado na Casa.

A proposta divide opiniões. Mas se tivesse virado lei certamente alguns políticos que hoje ocupam cadeiras em vários Parlamentos, certamente não estariam ali.

Com medo de repercussões negativas a maioria dos parlamentares evita comentar o mérito da iniciativa. O fato é que o Congresso Nacional, e também as Assembleias Legislativas e Câmaras municipais, estão sendo cada vez mais ocupadas por pessoas desqualificadas para o exercício da função.

Sérgio Vidigal (PDT) é psiquiatra e político

A lei proposta por Vidigal, que é psiquiatra, começou a tramitar em fevereiro de 2020. Está parada aguardando deliberação “pela admissibilidade” da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC).

Em 2022 o ex-pedetista Dagoberto Nogueira (PSDB-MS) apresentou parecer favorável para que a iniciativa fosse a debate na Comissão de Saúde da Casa. Porém, como Dagoberto não foi reeleito, um novo parlamentar precisa ser nomeado relator.

Procurado pela Agência Congresso, o presidente da CCJC – deputado Rui Falcão (PT-SP) – não retornou as mensagens para informar se sua gestão à frente daquela comissão dará celeridade a matéria.

“Câmara virou manicômio”

Apenas um parlamentar topou falar sobre a iniciativa: o senador Jorge Kajuru (PSB-GO). “Ótimo [projeto]. Até porque aquela Câmara é um pandemônio. Eu concordo plenamente [com a iniciativa]. Eu sou o primeiro a aprovar até porque a Câmara é o maior exemplo de manicômio. O que nós temos visto ultimamente lá, pelo amor de Deus!”, comentou.

“Ali, realmente, a pessoa tem que passar por um teste rigoroso psiquiátrico, psicológico. Não tem cabimento. Aquilo ali, a imagem já é péssima e aí vem cenas de psicopatia, pelo amor de Deus! Aqui no Senado [esse projeto] passa tranquilo. O meu medo é lá porque quem vai votar é muito psicopata. Eu concordo plenamente [com a proposta]”, complementou o senador goiano – vice-líder do governo Lula no Senado.

Já o senador capixaba Marcos do Val (Podemos) disse que preferiria que ao invés de aprovar o PL 159, o Congresso deveria aprovar uma medida para “ter um nada consta criminal, não é não?”, perguntou.

Entretanto, ele se esquivou de se manifestar com a desculpa de que precisaria ler e estudar a proposta de Vidigal para aí tecer algum comentário.

“Por que é o seguinte: se não, eu vou dar uma opinião em cima do que você está dizendo. É melhor eu dar uma estudada e aí eu possa dizer os prós e contras e tal”, argumentou.

Do Val no início do ano enviou para todos jornalistas um atestado de sanidade mental, dele, emitido por médico do Senado.

Na ocasião queria provar que não é louco, após ter feito denúncias e depois ter negado as declarações que deu.

https://www.metropoles.com/brasil/liberado-pelo-psiquiatra-marcos-do-val-nega-que-se-afastara-do-senado

” Atestado seria usado para fins políticos”

Ouvido pela Agência Congresso, o psiquiatras Táki Cordás, classificou a iniciativa como mais uma pertencente ao “festival de besteiras que assolam o país (febeapá)” – termo criado pelo jornalista Sérgio Porto na alcunha do pseudônimo Stanislaw Ponte Preta.

“Primeiro, isso é uma grande bobagem, né? Porque qualquer atestado se refere a um momento presente, ela não prediz daqui a um minuto, ou daqui a dois ou daqui a três. Segundo, um atestado é algo que pode falar melhor de uma doença existente do que dizer da ausência de doenças. [E] ao que se refere a sanidade mental, olhe, os transtornos psiquiátricos são profundamente preconceituosos e psicofóbicos”, avaliou o mestre e doutor pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

“Na medida que existem pessoas que têm transtornos de ansiedade, depressão e outros transtornos [que] são muito mais competentes, eu diria [até mesmo] honesto, que muita gente que não tem claramente um quadro desses. Outra coisa que vale a pena pensar é o seguinte: Isso é algo que vem de algumas eleições americanas, do eu preciso achar um [culpado para a eleição do ex-presidente Donald Trump]. [É preciso destacar] o quanto esse atestado poderia ser usado com fins políticos, ou seja, de impedir a candidatura de alguém. Quem é que vai fazer isso? Não é? Quem é que vai fazer esse atestado? Então, acho de uma tolice ímpar, mas uma das febeapá – festival de besteiras que assolam o país. Posso pensar em mais alguma tolice que isso representa?”, perguntou Cordás – que também é especialista em filosofia e autoconhecimento.

” Sou super a favor’

Mas para a psicóloga e neuropsicóloga avaliadora do Aeroclube Planalto Central (Voar CMA/DF) ligado à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Cecília Peixoto, acostumada a fazer estas avaliações e laudos profissionalmente, a iniciativa é muito positiva.

“[Sou] super a favor. Como já fiz [isso] no Detran  [Departamento de Trânsito] e faço na aviação, eu sou suspeita para falar. Mas acho que todo cargo deveria passar por exames físicos e psicológicos para assumir. Até porque [isso] seria um respaldo. [Tanto] para quem emprega, [quanto] para o empregado”, comentou.

“Partidos é que deveriam selecionar melhor”

Para o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Kramer, “esse PL parece mais uma tentativa de terceirizar para supostos especialistas — no caso, médicos, principalmente psiquiatras — uma responsabilidade e um direito que cabe exclusivamente ao eleitor”.

Kramer se posicionou contrário aos “tais testes de conhecimentos mínimos para candidatos, se estiverem a cargo da Justiça Eleitoral por julgá-los inócuos”.

“Mas, veja bem, não sou contra esse tipo de exame se determinado pelos partidos políticos com a finalidade de selecionar seus pré-candidatos. Afinal, cada legenda deveria ter a prerrogativa de adotar os métodos que definisse como adequados para escolher aqueles que pretendem concorrer às eleições sob a sua ‘bandeira’”, complementou.

“Pessoalmente, sempre defendi a posição de que a melhor maneira de tornar o nosso sistema de representação transparente e compreensível para o eleitor consiste em adotar o chamado voto majoritário uninominal (mais popularmente conhecido como “distrital puro”).

”Os candidatos à Câmara dos Deputados, às Assembleias Legislativas / Câmara Legislativa do DF e às Câmaras Municipais só poderiam concorrer dentro dos limites de um único distrito; venceria a eleição e conquistaria o mandato o candidato que obtivesse o maior número de votos em cada distrito”.

”Isso acabaria com os complicados cálculos de ‘coeficiente eleitoral’, ‘quociente partidário’ e ‘sobras’ que somente raríssimos cidadãos compreendem, deixando quase sempre [a sociedade perplexa] por terem votado em quem viram e elegido quem não viram”, completou Kramer – doutor pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

“Mínima estabilidade psíquica”

À época da apresentação do projeto, Vidigal argumentou que sua ideia era “gerar segurança em nossos cidadãos de que aqueles que pleiteiam representá-los possuem as condições mentais necessárias para bem desempenhar sua tarefa”.

Médico-psiquiatra, o ex-deputado garante que “a apresentação de um laudo de saúde mental faz-se necessário para, ao menos, garantirmos que nossos representantes possuam a mínima estabilidade psíquica e cognitiva”.

“Imaginemos, em um exercício de criatividade, que uma pessoa instável emocionalmente, frágil em seu equilíbrio mental, alcançasse algum posto eletivo de relevância nacional. O risco que nossa Nação atravessaria seria tremendo. Nossa soberania poderia ser ameaçada. A paz secular com nossos países vizinhos poderia ser maculada. Nossas instituições ficariam sob risco”.

”Até mesmo o equilíbrio entre os Poderes poderia ser desafiado por alguém sem a capacidade de julgar racionalmente as consequências de suas ações”, completou em sua justificativa para apresentar o PL na legislatura passada

“Doido tem que ser interditado”

Favorável à iniciativa, o então relator da matéria – deputado Dagoberto – tratou de separar o intento da iniciativa com os direitos da comunidade PCD para mudar a redação proposta por Vidigal e estabelecer que deverá ser “indeferido o pedido de registro de candidatos curatelados, de cuja sentença de interdição conste expressamente a restrição ao direito de ser votado”.

Dagoberto incluiu na proposta a seguinte orientação: “além das providências previstas no § 3º, caso haja limitação dos direitos políticos passivos, deve o juiz fazer mencionar tal circunstância de forma expressa na sentença de interdição e comunicá-la à Justiça Eleitoral”.

Assim como, se “constatada a incapacidade do curatelado de formar e manifestar livremente sua vontade, de forma a atingir o direito de ser votado, o juiz deve fazer constar expressamente tal condição da sentença e comunicar o fato à Justiça Eleitoral”.

Texto Humberto Azevedo – Edição M Rosetti