Por Pedro Valls Feu Rosa – A Constituição do Japão não trata da segurança pública. Ela é uma constituição pequena, com apenas 103 artigos que não contém parágrafos ou incisos. Só os artigos, e ponto final.
A Constituição do Brasil trata da segurança pública. Ela é uma constituição grande, com 250 artigos (fora os atos constitucionais transitórios) ricos em incisos e parágrafos – existem artigos com dezenas deles.
A Constituição do Japão, que não trata da segurança pública, limita-se a dizer, no artigo 13, que “todos serão respeitados como indivíduos. Seu direito à vida, à liberdade e à procura da felicidade, até o limite em que não interfira com o bem público, receberá a suprema consideração na legislação e em outros assuntos governamentais”.
A Constituição do Brasil, que trata da segurança pública, é rica neste assunto: no artigo 5º garante a todos a segurança pública, no artigo 6º fala novamente que esta é um direito social, e vai assim até o artigo 144, no qual estabelece ser a mesma um “dever do Estado”.
No Japão, cuja Constituição não trata da segurança pública, o Governo ampara vítimas de crimes, fornecendo ajuda financeira e psicológica. No já distante ano de 2005, por exemplo, foram gastos 1,1 bilhão de Ienes apenas em indenizações às vítimas de crimes, que podem receber até um teto de 18,5 milhões de Ienes.
No Brasil, cuja Constituição trata da segurança pública, aqueles que são “esteio de família” que tratem de se cuidar – se morrerem vítimas de algum crime deixarão seus entes queridos no mais negro desamparo, passando dificuldades e sofrendo.
No Japão, cuja Constituição não trata da segurança pública, o Governo pensa em mais do que dobrar os benefícios pagos às vítimas de crimes – segundo o jornal Yomiuri, o teto máximo passaria dos atuais 18 milhões para 40 milhões de Ienes.
No Brasil, cuja Constituição diz ser a segurança um dever do Estado, noticiou-se há algum tempo a luta travada nos tribunais pelos parentes de bombeiros mortos em São Paulo durante os ataques do PCC, buscando serem indenizados pelos próprios assassinos. Quanto ao Estado… ora, o Estado!
No Japão, cuja Constituição não trata da segurança pública, editou-se em 2004 uma lei específica para definir os direitos das vítimas de crimes, prevendo nada menos que 258 tipos de assistência, inclusive moradia, garantia de emprego e assistência médica, além de acompanhamento psicológico.
No Brasil, cuja Constituição define a segurança como um direito social, recebo rotineiramente no Tribunal de Justiça parentes de vítimas narrando a miséria na qual se viram após o crime, muitos desprovidos até mesmo de meios de sustento, absolutamente desorientados e sem perspectivas.
O Japão é aquele pequeno e pobre país lá da Ásia, praticamente desprovido de riquezas minerais as mais básicas, sem espaço até para agricultura, onde a economia é sustentada com um espírito de disciplina e sacrifício notável.
O Brasil é este imenso e riquíssimo país, provido das mais fabulosas riquezas minerais do planeta, com um espaço praticamente infinito no qual ‘plantando tudo dá’ – é até difícil imaginarmos uma riqueza que não tenhamos em abundância.
Não estou – e fique isto muito claro – a comparar países. Cada um deles tem uma realidade distinta da dos demais e aspectos bons e ruins. Não é este, repito, o espírito deste texto.
Apenas não posso compreender que no pobre Japão (cuja Constituição não trata da segurança) as vítimas e seus familiares sejam plenamente assistidas, enquanto que aqui, neste rico país cuja Lei Maior tem palavras tão lindas, elas fiquem no desamparo, ao largo dos mais básicos princípios até mesmo de solidariedade cristã.
Talvez seja o caso de nos lembrarmos das sábias palavras do filósofo Chih Chung, segundo quem “a teoria e a prática deveriam ser uma só coisa. Pregar algo e não praticar é como recitar os textos sagrados sem compreendê-los”.
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