Era apenas mais um dia de trabalho para um entregador. Lá ia ele, a bordo de sua motocicleta, quando foi parado em uma “blitz” da polícia. Havia algum problema com a documentação do veículo, que acabou apreendido.
Por coincidência o endereço de entrega situava-se do outro lado da rua. E lá foi o entregador, a pé, cumprir sua missão – não sem antes ser atingido por um balde de água suja que um cidadão esvaziou sem o devido cuidado.
Sem sua motocicleta e todo sujo tentou entregar a refeição ao destinatário – que, ao vê-lo naquele estado, recusou-a. Calcule sua dor: pagaria a encomenda do próprio bolso e estava sem seu instrumento de trabalho.
Eis que ali ao lado uma criança catava comida em dada lata de lixo. Sensibilizado, o entregador foi até ela. Doou carinhosamente – sim, carinhosamente – para aquele pequeno ser seguramente a única refeição do dia.
Mostrou grandeza, malgrado o momento de problemas e sofrimento. Demonstrou compaixão, apesar de justificadamente angustiado.
A pessoa destinatária do lanche, diante daquela atitude, solidarizou-se com o entregador. Pagou o valor da entrega. Menos mal.
Testemunhando tudo aquilo, os policiais que realizavam a “blitz” – e que já haviam colocado a motocicleta apreendida sobre um transporte – o chamaram.
Devolveram-lhe o veículo. Demonstraram tolerância e sensibilidade diante da realidade.
Estas cenas foram registradas por uma câmera de segurança instalada em uma rua deste país aos 19 de abril de 2021, por volta das 11 horas da manhã.
Algum espírito observador as resgatou e divulgou. Recebi este vídeo através de um dileto amigo.
Conta-se que há alguns anos um jornalista britânico dirigiu-se à Índia para entrevistar a sempre reverenciada Madre Teresa de Calcutá. Ele foi encontrá-la cercada de doentes miseráveis, aos quais buscava dar algum tratamento e dignidade.
Manifestando sua surpresa e revolta com o quadro triste que tinha diante de si, fez aquela que seria a primeira pergunta da entrevista: “Madre Teresa, o que precisa mudar no mundo para que toda esta miséria e abandono não mais existam?”
Eis que Madre Teresa, com um sorriso singelo e modesto, respondeu: “Meu filho, para que toda esta desgraça que você acabou de testemunhar deixe de existir apenas duas coisas necessitam melhorar”. E completou: “eu e você”.
Pedro Valls Feu Rosa é jornalista, escritor e desembargador no ES. Escreve semanalmente para a AGENCIA CONGRESSO.