Registrou-se, em setembro de 2020, a marca de um milhão de mortes por conta da pandemia que se abateu sobre a humanidade.

Mais especificamente revelou-se que, ao longo de nove meses, morreram 1.000.009 semelhantes nossos. Estes são números lamentáveis e mesmo chocantes em um mundo cujos habitantes já foram à Lua e planejam ir a Marte.

Este quadro tem sido – justificadamente, fique isto muito claro – objeto de ampla cobertura jornalística, de debates acalorados, de passeatas e protestos praticamente em todos os cantos deste planeta.

Não sei bem por qual motivo, mas ao ler esta estatística lembrei-me de uma outra, constante de um estudo realizado para a ONU. Constatou-se, veja só, que no mundo a cada cinco segundos morre uma criança com menos de cinco anos de idade vítima de doenças relacionadas à fome. 

Decidi fazer um cálculo simples: quantas crianças teriam morrido de fome ao longo dos nove meses de pandemia? Cheguei a 12 por minuto. 720 por hora. 17.280 por dia. 518.400 por mês. E, pasme, 4.665.600 no total.

Curiosamente, praticamente não se tratou disso! Deste tema pouco se ocuparam os jornais ou a opinião pública. Isto chama a atenção. Afinal, foram acima de quatro vezes mais mortes – e apenas de crianças com menos de cinco anos de idade!

Deparei-me com outro relatório, igualmente da ONU, abordando a séria questão da falta de saneamento básico. Fui informado de que por conta dele, a cada nove meses, morrem 2.025.000 crianças com menos de cinco anos de idade – o dobro de todas as vítimas de COVID-19 para o mesmo período.

Também aqui não houve reportagens, atos ou manifestações contundentes. Reinou, podemos dizer assim, um ensurdecedor silêncio.

Segundo narra o Evangelho de Mateus, Herodes I, rei da Judéia, tentou matar o menino Jesus determinando a morte de todos os recém-nascidos de Belém. 

O escritor norte-americano Raymond Brown, em seu livro “O Nascimento do Messias”, estimou que naquela época habitavam a cidade de Belém cerca de mil habitantes, dos quais uns vinte se enquadrariam nos termos da bárbara ordem de Herodes – logo, este monstro teria assassinado umas vinte crianças inocentes.

O equivalente a 100 segundos do que nossa moderna civilização produz apenas por conta da fome.

Assim, que tal colocarmos as crianças na pauta do dia da humanidade?

Pedro Valls Feu Rosa é jornalista, escritor e desembargador no ES/Escreve
semanalmente para a AGC – Agência Congresso.