Extensas listas de políticos suspeitos de corrupção, apelidos jocosos, verdades, mentiras, realidade e ficção se misturando, os dias são assim.

Já a série global que acaba de estrear, “Os dias eram assim” faz uma viagem ao período em que a ditadura militar deixou de lado o pudor e escancarou:

Fechou Congresso, cassou e prendeu políticos, estudantes, artistas, censurou jornais, torturou lideranças, impôs exílio, tudo misturado ao ufanismo gerado pela conquista do tricampeonato mundial de futebol no México com a famosa seleção de 70, Pelé, Tostão e cia.

A minissérie acerta na oportuna reflexão sobre a repressão dos anos 70, embora cometa pequenos deslizes.

Na trilha sonora, por exemplo, a canção “Deus lhe pague”, que um personagem toca no violão, bem no dia da final da Copa de 1970, somente seria lançada por Chico Buarque em 1971.

E “Nossa Canção”, embalando um casal que se esconde da repressão, no mesmo 12 de junho de 1970, é uma música gravada por Roberto Carlos em 1966, já não estava na trilha daqueles anos de chumbo.

Na vida real, após aquela vitória brasileira de 4 a 1 sobre a Itália, a população, com camisas e bandeiras verde-amarelo tomou a Praça Jerônimo Monteiro numa das mais efusivas celebrações já vistas em Cachoeiro, todos se abraçando e cantando – a marcha “Noventa milhões em ação/Pra frente Brasil…”, de Miguel Gustavo, era o carro-chefe.

Foi um improvisado e apoteótico carnaval. Porém, no vácuo daquelas comemorações, a ditadura endureceu, baixou ferro, e lançou o sinistro slogan do “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

Após a primeira Copa do Mundo de futebol transmitida pela televisão, veio o terror. E não havia o escape das redes sociais.

De volta ao presente, as mesmas redes sociais que escancaram a Lava a Jato, enumeram os suspeitos de caixa dois e lavagem de dinheiro, também postam estranhas comparações que parecem inspirações de Bolsonaro.

Uma delas aponta que seis presidentes da República eleitos em 31 anos de democracia são “ladrões”. Acima dessa galeria, aparecem fotos dos cinco presidentes militares e a tarja: “Nenhum ladrão”.

É o tipo de comparação perigosa e equivocada. Deixa entender que não houve roubos e desvios durante os governos militares.

De início, roubaram a liberdade das pessoas, dos meios de comunicação, construíram estradas pra lugar nenhum, censuraram, torturaram, maquiaram a realidade.

E adveio o famoso silêncio dos pântanos: por cima, quietude; por baixo, lama e
peçonha.

Nos dias de hoje, as redes sociais cumprem importante papel de informar e replicar fatos que antes estavam sob controle quase absoluto dos grandes veículos de
comunicação.

E esses, como a poderosa Rede Globo, só têm a alternativa de partir pra cima, do contrário perdem a cobiçada liderança.

A propósito, além da minissérie que induz a uma oportuna reflexão sobre os nossos anos de chumbo, a Globo puxa diariamente o cordão de denúncias da Lava a Jato.

E recentemente veiculou reportagem mostrando como vivem alguns delatores em prisão domiciliar monitorados por tornozeleiras eletrônicas.

Devolveram dinheiro roubado, ou parte dele, foram execrados, mas residem em mansões, ostentam invejável padrão de vida, o que leva muita gente a pensar, também equivocadamente, que o crime, mesmo com castigo, compensa.

Por aqui, agora os dias seguem assim: lideranças capixabas relacionadas como suspeita de caixa dois na Lava a Jato partem para o contra-ataque.

Sabem que esses processos vão se arrastar pelos próximos anos, talvez cinco, 10 ou
mais.

Ou seja, têm o tempo a favor, e estão de olho nas eleições de 2018. Chamou atenção o apoio que a classe empresarial capixaba foi prestar ao governador Paulo Hartung, (PMDB), no Palácio Anchieta.

Em resumo, exaltaram o governador duvidando que ele tenha sido beneficiado com dinheiro da Odebrecht.

Bem diferente do tom do deputado estadual Sérgio Mageski (PSDB), expresso inicialmente nas redes sociais.

O parlamentar disse que a classe empresarial teria ido “dar ao governador a contrapartida de isenções fiscais recebidas”.

O fato é que somente os dias do futuro deverão confirmar as verdades, meiasverdades e mentiras que povoam o atual cenário.

Já o cineasta Cacá Diegues avalia a possibilidade de “vitória do fascismo cotidiano sobre a inteligência iluminada, como vemos hoje”. E isso, convenhamos, não é filme de final feliz.

Luiz Trevisan é jornalista, músico e sobrevivente do regime.