O Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo. Possuímos mais detentos do que a Rússia e um pouco menos que a China. Os Estados Unidos seguem campeões mundiais da carceragem.

Quando verificamos esses dados — que são de 2016 e indicam uma população carcerária de 726 mil detentos —, algumas perguntas vêm à baila.

É necessário prender tantas pessoas? Quem está sendo efetivamente encarcerado no Brasil? Qual o sentido da punição criminal?

Estima-se que cerca de 30% dos encarcerados no país estejam detidos por aplicação da Lei de Drogas.

Quando tratamos de encarceramento feminino, é gritante o percentual de mulheres presas em razão de tráfico de entorpecentes, geralmente a pedido ou sob ordem do cônjuge ou companheiro: 62%.

A população carcerária brasileira cresceu 707% nos últimos anos muito especialmente em razão da Lei de Drogas.

A pergunta sobrevive: é necessário prender tanta gente assim?

Conforme pesquisa realizada pelo juiz Marcelo Semer, sob a orientação do professor Maurício Dieter, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, observamos que cerca de 50% dos encarcerados em razão da Lei de Drogas foram presos por estar na posse de menos de 100 g de maconha ou 50 g de cocaína. Não está em causa a prática de homicídios, de roubos ou de latrocínios, mas tão somente a posse para o uso próprio ou de terceiro, caracterizada como tráfico!

As prisões ocorrem porque cerca de 73% dos casos geram prisão em fragrante convertida em preventiva e cerca de 95% dos casos em que há apreensão seguem para a condenação definitiva. A média temporal de prisão cautelar é de 7 meses e meio, e a média de penas aplicadas é de 4 anos e 9 meses. Nesses casos, apenas 16% das reprimendas comportam substituição para pena alternativa. A ampla maioria é sentenciada a regime fechado.

O cruzamento desses dados leva à constatação de que estamos aprisionando pessoas em razão da posse de drogas em quantidades correspondentes a atividade lícita em outros países. Dito de outra maneira, em sua grande maioria, os presos por drogas no Brasil, estivessem em um país europeu, livrar-se-iam soltos, no máximo perdendo a droga com eles encontrada e respondendo a processos que não teriam como consequência o encarceramento em penitenciária.

O ato que no nosso país rende pena em regime fechado não teria como consequência uma pena de prisão, em boa parte do mundo moderno.

E qual o perfil do encarcerado? Jovem, classe baixa, desempregado, morador de periferia, negro ou pardo.

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A prisão agrava a exclusão racial e a exclusão econômica. Ela implica a retirada dos indesejáveis das proximidades dos nossos mundos visuais!

Por pequenas quantidades de drogas, em ações caracterizadas como tráfico ilícito, estamos aprisionando a juventude sem presente econômico que avança para o futuro dentro de uma organização criminosa. Nada mais fazemos com essa atitude do que gerar soldados armados para as facções violentas e para a criminalidade organizada!

Nós, juízes, apenas nos responsabilizamos pela matrícula do novo integrante do crime quando sentenciamos à pena em regime fechado o usuário e o eventual traficante de drogas que ainda não faz parte de uma facção violenta.

Neste momento atual, o senso comum declara o seu desejo por mais prisões, seu desprezo pelo regime semiaberto e pelos benefícios da execução da pena. Ele crê na ausência de punição como razão da violência urbana.

Não há cientificidade nisso nem parece razoável negar a ressocialização e a humanização da pena como atividade estatal necessária.

Regime semiaberto e regime aberto nunca foram devidamente implementados no Brasil, pela só razão de que nunca houve investimento que atendesse à necessidade de ressocialização.

A pena, no imaginário popular, é apenas uma vingança estatal. A vendeta particular é substituída pela força repressora da nação organizada sobre o infrator que agrediu um cidadão “de bem”.

Na outra ponta, o afastamento do indivíduo do convívio da sociedade porque ele “causa perigo” à comunidade organizada aparece como razão de ser da pena executada!

Não há crença na ressocialização nem há proporcionalidade na pena aplicada!

O senso comum não trabalha com essas características porque joga o jogo do seu interesse epidérmico: afastar os indesejáveis!

Encarcerar jovens desempregados de periferia por pequenas quantidades de drogas, nos tornando a terceira — quiçá segunda — maior população carcerária do mundo não fará do Brasil um país mais seguro, principalmente quando esse encarceramento apenas engrossa as fileiras do crime organizado.

Ney Bello é desembargador no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, professor da Universidade de Brasília (UnB), pós-doutor em Direito e membro da Academia Maranhense de Letras.

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