Por Pedro Valls Feu Rosa – A conta é do IDESP, um respeitado instituto de pesquisas de São Paulo: a lentidão da Justiça causa ao Brasil um prejuízo de cerca de US$ 1 bilhão por ano. É isso mesmo: um bilhão de dólares americanos por ano. 
 
Esta pesquisa, realizada junto a 800 empresas, mostrou ainda que se a eficiência do sistema judiciário brasileiro fosse elevada aos padrões dos países mais desenvolvidos o volume de investimentos aumentaria 10,4%, a produção seria elevada em 13,7% e a oferta de empregos seria 9,4% maior que a atual. 
 
Podemos, à vista destes números, concluir que a lentidão da Justiça é um problema nacional dos mais sérios, e deve ser resolvido com rapidez e lógica. Daí o grande debate criado em torno da “reforma do Poder Judiciário”. 
 
Diante deste quadro, fico a pensar em um meu amigo, dedicado Juiz de Direito, que há poucos dias respondia por duas pequenas Comarcas do interior, distantes cerca de 12 quilômetros uma da outra. 
 
A curta distância permitia um atendimento perfeito às duas Comarcas – um dia em uma, outro dia em outra, e assim por diante. 
 
Pois bem: em um destes dias, examinando um processo, precisou ele de uma dada informação sobre um outro processo, que tramitava na Comarca vizinha, pela qual – lembre-se – ele também era responsável. 
 
Qualquer pessoa dotada de um mínimo de bom senso diria: “basta pegar a informação no dia seguinte, quando ele estiver atendendo na outra Comarca”. Nada mais errado! 
 
Isto porque nossas leis não permitem que ele simplesmente apanhe na outra Comarca a informação de que necessita – se ele assim proceder, estará agindo de forma “suspeita”, e poderá ser até processado. 
 
Assim, e rigorosamente dentro da legislação, ele redigiu uma carta dirigida ao Juiz de Direito da Comarca vizinha (ou seja, ele mesmo). Nesta carta, ele solicitava a si próprio que informasse algo a ele mesmo. Pessoa educada que era, ele seguiu o protocolo e encerrou a carta agradecendo desde já a atenção que decerto ele dispensaria a si próprio, e prometendo estar sempre à disposição dele mesmo quando dele ele precisasse. 
 
Esta carta foi, então, remetida à Comarca vizinha. Algum tempo depois, este meu amigo recebia a carta que ele havia remetido para si próprio. Abriu-a. Leu-a. E imediatamente preparou a resposta da solicitação que ele havia feito a si próprio. 
 
Nesta resposta, sempre da forma mais educada possível, ele formula votos de que ele esteja satisfeito com a resposta que ele havia dado para si próprio, coloca-se uma vez mais à disposição dele mesmo para quaisquer dúvidas que ele próprio tenha, e até conclui enviando as mais cordiais saudações e um grande abraço dele para ele mesmo. 
 
Passados alguns dias, chega à mesa dele a resposta do pedido de informações que ele havia remetido para si próprio, e que ele respondeu para ele mesmo com tanta distinção. 
 
Finalmente, após abrir o envelope e ler a resposta que ele fizera à carta que ele mesmo enviara para si próprio, determinou ele que fosse tudo anexado ao processo! 
 
Esta situação, apesar de absurda, não é uma exceção. É a regra. Acontece todos os dias, no país todo. Já vi ofícios deste tipo circulando entre Juizados de uma mesma Comarca, distantes no máximo dois metros um do outro. 
 
Calcule-se, agora, o quanto isto custa para o Brasil: papel, tinta, despesas postais, recursos humanos e, principalmente, lentidão. Muita lentidão. 
 
Diante deste pequeno mas significativo exemplo, podemos concluir que a Justiça somente será verdadeiramente reformada quando reformada também for a mentalidade burocrática e cartorial que vem atormentando o pobre povo deste rico Brasil há centenas de anos. 
 
Até lá, receio que todo o processo de reformas e modernização que o século XXI trouxe para o Poder Judiciário apenas sirva para substituir as “cartas para si próprio” por “e-mails para si próprio”. 


*Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Agência Congresso