Por Pedro Valls Feu Rosa

A inglesa Annie Ashton podia ser definida como uma pessoa feliz. Morava em uma casa confortável com seu marido, Luke, e dois filhos. Sua vida era financeiramente estável e seu esposo, gerente de uma loja de ferramentas, gozava de bom conceito social e profissional.

Tudo isto acabou no dia 22 de abril de 2021, quando Luke suicidou-se por conta das desgraças causadas pelo vício no jogo, dentre as quais incluiu-se a venda do próprio lar para pagamento de dívidas.

Tempos depois li, no jornal “The Guardian”, uma emocionante carta escrita pela agora viúva. Transcrevo, em tradução livre, alguns trechos. Ela narra que “há uns dois anos Luke viciou-se em jogo. Se você o tivesse conhecido não entenderia esta compulsão. Ele era cuidadoso com dinheiro, poupava regularmente e suas contas estavam sempre em dia”.

Segue, então, um sério alerta: “Não é interessante para a indústria do jogo que as pessoas sejam afastadas do vício. Ela gasta £ 1,5 bilhão (uns US$ 2 bilhões) em propaganda incentivando o hábito de apostar. Cerca de 60% dos seus lucros são provenientes de 5% de clientes viciados ou em vias de sê-lo – uma indústria que, somente no Reino Unido, vale £ 14 bilhões”.

De forma chocante Annie registrou que “estas empresas conhecem a fundo seus fregueses – em alguns casos elas sabem que alguém cujo salário é de apenas £ 30 mil por ano apostou £ 60 mil em apenas alguns meses, porém nada fazem”. Muito pelo contrário, “acompanham seus hábitos e vulnerabilidades de forma a melhor os alcançarem com propagandas mais efetivas”.

Vamos, agora, às consequências humanas: “Em um relatório datado de 2021 a Saúde Pública Britânica estimou haver no país, a cada ano, mais de 409 suicídios relacionados com o vício de jogar. É mais do que uma vida perdida a cada dia”.

A conclusão da carta de Annie, explicando a manutenção de tal quadro, deveria servir como alerta para toda a humanidade: “O ‘lobby’ em favor do jogo é muito poderoso”.

Decidi pesquisar um pouco mais sobre o assunto. Localizei estatísticas chocantes: “empresas de jogo utilizam dados escolares sobre 28 milhões de crianças”, “a economia perde £ 1,2 bilhão por conta dos viciados em jogo”, “apenas 3% dos viciados recebem tratamento” etc. Paro aqui por falta de espaço.

Agora medite: seria esta realidade digna de um povo cristão?


Pedro Valls Feu Rosa é jornalista, escritor e desembargador no ES. Escreve regularmente para a AGENCIA CONGRESSO