Por Pedro Valls Feu Rosa
Era o ano de 1888. A Princesa Isabel assinava a Lei Áurea. Naqueles dias iniciava-se em Victoria, capital da Provincia do Espirito-Santo, no Imperio do Brazil, um processo no qual um certo Sebastião Pinto Ribeiro acusava as pessoas de Antonio Pinto da Luz e Josefina Maria da Conceição de “não cumprirem o termo de bem-viver (obrigados a não ofender a moral alheia, abster-se de provocação e outros atos ilícitos)”.
Por conta da gentileza de um amigo recebi cópia digitalizada destes autos, hoje um documento de valor histórico. E eis que, ao longo de uma deliciosa leitura, comecei a perceber que de lá para cá pouca coisa mudou no mundo dos processos!
Lá estavam os “termos”, “juntadas”, “certidões”, “assentadas”, “procurações” etc., tais como ainda utilizados neste século XXI! Poderiam ser inseridos em qualquer processo da atualidade e passariam praticamente desapercebidos.
Nosso sistema legal vive a aurora dos processos virtuais. Já se transformam em reminiscência histórica as montanhas de papel que ao longo de tantos séculos ornamentaram nossos cartórios e juizados.
Fico a me perguntar, porém, sobre o quanto de burocracia inútil temos convertido em “bits”. No quanto temos errado ao utilizar maravilhosos recursos tecnológicos com uma mentalidade ainda presa ao papel.
Lanço um olhar sobre nossas audiências e sessões de julgamento. Hoje já são transmitidas pela Internet. Mas há real modernidade nisto? Até que ponto estamos lançando no espaço virtual rituais bolorentos, criados mais para satisfazer vaidades que para distribuir a verdadeira justiça?
Creio ser oportuno o registro de que não falo sem conhecimento de causa: escrevo programas de computador há mais de 44 anos e sou julgador há mais de 32 anos. Com imensa legitimidade, pois, lamento, e lá do fundo de minha alma, a virtualização do bolor.
Vivemos hoje um momento único. Uma transição fascinante. Uma página na qual deveríamos escrever reflexões as mais profundas sobre a compatibilidade de nossas leis processuais com as necessidades do momento histórico e os recursos tecnológicos que temos à disposição.
Pois é. Retorno ao distante ano de 1888. E vejo que faltou algo na Lei Áurea: libertar o mundo das leis do reacionarismo cego. Da burocracia sem sentido que, malgrado já digital, ainda nos escraviza a todos.