Por Pedro Valls Feu Rosa
Reza a mitologia grega que Pandora, a primeira mulher criada por Zeus, dele recebeu um grande jarro lacrado contendo todos os males do mundo.
Curiosa, Pandora decidiu abri-lo para ver seu interior – e assim teria libertado todos os males que nos afligem, exceto a esperança, eis que sem esta não se vive.
Por falar em vida, nos idos de 2002 divulgou-se que diariamente 20 crianças brasileiras a perdem por conta de doenças cuja origem reside na falta de saneamento básico.
Naqueles dias concluiu-se que 53% da população não tinham acesso a uma simples rede de esgoto – calculou-se, então, que apenas o teriam em 2122.
Passou-se o tempo. Chegamos a 2019, ano no qual este tema foi discutido pela Comissão de Infraestrutura do Congresso Nacional. Revelou-se, na ocasião, que o saneamento básico ainda não existe para 48% dos brasileiros.
Fiz uma conta simples, primária até, com base em percentuais e tempo. E cheguei à conclusão de que, conforme o ritmo demonstrado, o saneamento básico pleno apenas chegará para todos por volta de 2182.
Mas voltemos ao Congresso Nacional. Apresentou-se aos parlamentares um estudo da Fundação Getúlio Vargas segundo o qual o Brasil ganharia R$ 1,1 trilhão nos próximos 20 anos se universalizasse o saneamento básico a um custo de R$ 470 bilhões.
Alertou-se igualmente para o fato de que em 2017 perdemos R$ 11 bilhões apenas em função da ineficiência da rede de distribuição de água – um montante que seria suficiente para abastecer 30% da população.
Chegou-se, então, ao “esgotômetro”, segundo o qual apenas nos dez primeiros meses de 2019 lançou-se no ambiente o equivalente a 1,5 milhão de piscinas olímpicas de dejetos.
A propósito, li que a coleta de esgoto está ausente em 59% de nossas escolas do ensino fundamental. Para encerrar, estimou-se que há mais de 300 mil internações a cada ano somente por conta de diarréias que este quadro induz.
Passei a meditar sobre os R$ 470 bilhões que resolveriam o problema – e sobre os R$ 410 bilhões que temos gasto em média, a cada ano, apenas com juros da dívida pública.
Diante desta realidade fiquei a recordar Dante Alighieri. Ao conceber o inferno de sua obra imortal colocou na porta deste uma placa com os dizeres “Deixai toda esperança, vós que entrais”. Pois é. Será que ele se referia às nossas crianças?
Pedro Valls é escritor, jornalista e desembargador