A cada dois dias, uma morte. Esta é a sinistra estatística exibida pela BR-101 que corta o Espírito Santo e não duplica porque virou negócio de empresários influentes. Parlamentares reclamam, pois têm que dar voz ao clamor de indignação e perplexidade da população, já o Ministério Público, federal e estadual,  mantêm ruidoso e incômodo silêncio. Enquanto os inocentes tombam e as tragédias se sucedem, repetindo um roteiro já bastante conhecido e estarrecedor.

Caminhões mal fiscalizados conduzem granitos mal-ajambrados, motoristas submetidos a jornadas estafantes e orientados a trafegar em horários onde os vigilantes rodoviários já não estão tão atentos quanto deveriam. Junte-se a isso uma rodovia que há quatro anos cobra pedágio, porém até hoje não concluiu um quilômetro da prometida duplicação. Eis o roteiro que transforma a 101 em filme de terror e onde todo dia pode ser uma sexta-feira 13.

Em todo receituário de medidas projetadas para enfrentar o problema – suspensão do contrato e da cobrança do pedágio, revisão da concessão, multas pesadas etc. – até agora ninguém sinalizou que, com ou sem rodovia duplicada, o transporte de granitos tende a seguir provocando vítimas, aqui, ali, acolá. Não foi à toa que o governador Paulo Hartung apelou ao setor de rochas ornamentais pedindo maior controle. O setor devolveu uma bola quadrada, ao apontar as empresas clandestinas que atuam no mercado.

Também não é de hoje que grande parte do setor extrativista opera apostando na desorganização pública de controle. Tome como exemplo Vargem Alta, município que tinha vocação turística e encontra-se hoje dominado por unidades que lapidam as rochas. Como não há pré-estabelecido um zoneamento industrial, que facilitaria desde o controle ambiental ao fiscal, implanta-se uma unidade em qualquer lugar, seja próximo a residências, na encosta de matas, nas margens de rios e nascentes. Além dos impactos, vai pelo ralo a vocação turística do lugar.  

Adicionem-se os riscos da atividade extrativista, que mutila e mata mais do que se imagina, e que prossegue em trajetória sinistra por nossas estradas. Tudo poderia ser diferente e mais seguro para o coletivo, caso houvesse investimento nos modais ferroviário e marítimo. Porém, impera a prioridade rodoviária e há um mundo de negócios voltados para o setor, de modo que falar em transporte de cargas por ferrovias ou navios soa como pregação no deserto.

Pode parecer mórbido, mas no ritmo que segue ainda vai aparecer alguém propondo painéis exibindo e atualizando em tempo real os números das vítimas na BR-101. Já temos o impostômetro… E olha que na BR-262 o cenário também costuma ser aterrorizante. Foi dali, de Campinho, às margens da BR-262, que saiu o micro-ônibus vitimado na tragédia do último domingo e que conduzia 18 integrantes do grupo de dança folclórica.  Voltavam de uma apresentação em Juiz de Fora. Quando partiram faziam jus à frase de um conhecido poeta local José Alexandre, refletindo o espírito festeiro da comunidade: “Enquanto isso, Campinho se diverte”.

Agora, não é somente Campinho que está de luto. Não temos furacões como Irma ou José, gerados por fatores climáticos. Nossas tragédias são produzidas pelo descaso premeditado, ganância, negligência, corrupção e impunidade. Parece ser mais fácil reconstruir estragos feitos pela fúria da natureza do que o comportamento humano.