VITÓRIA – Neste início de 2018 o ex-delegado Cláudio Guerra foi denunciado – mais uma vez – pelo Ministério Público Federal por executar a tiros o estudante de Geologia e militante político Ronaldo Mouth Queiroz, em 1973. 
 

Na década de 70 Guerra integrava o Esquadrão da Morte capixaba, e de lá migrou em 1973 para integrar órgãos de repressão e passou a eliminar pessoas que decidiram resistir ao golpe militar de 74.

Oportunista, foi homem de confiança do coronel Freddie Perdigão, chefe do SNI, responsável por dezenas de vítimas durante os 21 anos do Regime Militar.

Protegido pela ditadura, praticou vários crimes, extorsão a banqueiros do Jogo do Bicho e muitas das execuções nada tinham a ver com a luta política. Visava lucro pessoal.

Após o fim da ditadura, Guerra foi condenado e cumpriu pena por três tentativas de homicídio, resultantes de um atentado à bomba do qual participou nos anos 80 no Espírito Santo.

Na cadeia converteu-se ao cristianismo, tornou-se pastor da Assembleia de Deus e afirma querer fazer sua parte “para que uma página triste de nossa história seja passada a limpo”.

Guerra era um torturador e matador frio, hoje está solto fingindo ter se convertido ao cristianismo. Para ele, o crime compensou. 

Ficou paranoico e vive achando que vai sofrer um atentado, atormentado pelos fantasmas do passado.

A morte do estudante aconteceu na capital paulista. Segundo o MP, Guerra recebeu informações de João Henrique Ferreira de Carvalho, um agente infiltrado na Ação Libertadora Nacional (ALN, organização de resistência ao regime militar da qual Mouth fazia parte).

Guerra e João Henrique são acusados de homicídio qualificado.Cláudio Guerra foi delegado do Departamento da Ordem Política e Social (Dops) do Espírito Santo.

O MPF destacou que o caso é imprescritível e impassível de anistia. “Por se inserir no contexto de ataque sistemático do Estado à população na ditadura, a morte de Mouth caracteriza-se como um crime contra a humanidade.

Segundo sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos proferida em 2010, o Brasil tem o dever de responsabilizar e punir oficiais envolvidos em fatos como esse, e a Lei de Anistia não pode ser um obstáculo às apurações.

O país é obrigado a cumprir decisões da Corte por estar submetido à sua jurisdição”, explicou o órgão.

O ASSASSINATO

Em depoimentos ao MPF, à Polícia Federal e à Comissão Nacional da Verdade, Cláudio Guerra confessou ter sido o autor dos dois tiros que mataram Mouth na manhã do dia 6 de abril de 1973, em um ponto de ônibus na Avenida Angélica, no bairro de Higienópolis.

Na época, o delegado estava a serviço do Departamento de Operações de Informações (DOI) do II Exército, chefiado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, falecido em 2015. Na operação, Cláudio estava acompanhado por pelo menos três agentes.

A versão oficial indicou que o militante havia morrido após resistir à prisão e trocar tiros com policiais. O corpo, no entanto, nunca foi submetido a perícia que revelasse vestígios de pólvora nas mãos.

Uma testemunha que presenciou o crime ouvida pelo MPF confirmou que Mouth foi alvo de uma execução sumária e que Cláudio alterou a cena do crime para forjar uma situação de confronto.

Segundo o relato, o estudante estava parado na calçada, desarmado, quando a viatura chegou e o delegado efetuou os disparos, sem prévia abordagem. Após o assassinato, ele colocou uma arma na mão e uma na cintura de Mouth, além de uma caderneta de endereços no bolso da vítima.

INFILTRADO

A equipe chegou até Mouth graças à atuação de João Henrique, o “Jota”, agente infiltrado na ALN após cooptação. Ele era militante do movimento até que, em 1972, traiu o grupo e passou a colaborar com os militares.

Em depoimento ao MPF, João Henrique admitiu, sem arrependimento, ter assinado um contrato com o DOI para espionar os integrantes da organização e avisar os agentes sobre as atividades.

Seu desempenho chegou a ser classificado como modelo de infiltração pela Escola Nacional de Informações, ligada ao aparato ditatorial. ( O canalha nasceu para ser dedo duro)

Cláudio e João Henrique são acusados de homicídio qualificado, cometido sem chance de defesa da vítima e por motivo torpe, relacionado à manutenção do regime militar.

O MPF quer que a Justiça considere outros agravantes para a fixação da pena, entre eles traição e abuso de autoridade. O ex-delegado foi denunciado também por fraude processual devido à alteração das provas na cena do crime.

A Procuradoria quer que ambos sejam condenados ainda à perda de eventuais cargos públicos que ocupem e aposentadorias que recebam, além de medalhas e condecorações que tenham obtido de órgãos militares.

Com informações dos jornais A Tribuna e A Gazeta/ES