Planeta Terra, 2020. Uma pavorosa pandemia abate-se sobre a humanidade. Perplexas, muitas pessoas vão às ruas protestar – aparentemente contra a gestão da crise que se instalou. Mas seria só isso? Ou trata-se de algo mais profundo?

Todos nós crescemos ouvindo ser a saúde uma prioridade. A pandemia nos mostrou que não é bem assim. A humanidade apenas encontrou redes públicas de saúde sucateadas ou escandalosamente insuficientes – a alternativa a contas milionárias em hospitais privados.

Sempre nos foi exaltado o avanço tecnológico da raça humana na área médica – no mais das vezes conseguido às custas de robustos benefícios fiscais dos governos ou através de altos preços de medicamentos.

Vimos, com uma única pandemia, que não é bem assim. Tateou-se, e de forma triste, em busca de um tratamento.

Desde a infância fomos aconselhados sobre os benefícios da higiene e do saneamento básico – este erigido a direito humano fundamental. O COVID-19 gritou que não é bem assim.

Faltou água para o asseio das mãos de milhões de semelhantes nossos e esgoto para manter a habitabilidade de seus lares – uma realidade que máscara alguma conseguiu ocultar.

Vivemos sob a certeza de sermos iguais perante as leis. Bastou, porém, uma crise econômica para demonstrar que não é bem assim. Enquanto empresas poderosas encontraram a compreensão – financeira – dos Estados, a milhões de pequenos empresários apenas restou a amargura das lágrimas derramadas sobre seus negócios falidos.

Há anos trombeteia-se em nossos ouvidos que o mundo é uma “aldeia global”. Que o livre-comércio é uma imposição dos tempos. Uma simples pandemia mostrou, claramente, que não é bem assim.

Insumos hospitalares foram objeto de pirataria pura e simples, enquanto barreiras comerciais eram erguidas a um estalar de dedos.

Fala-se que vivemos na “Era da Informação”. Vimos, com a ajuda de um único vírus, que não é bem assim. O noticiário pelo planeta afora mostrou-se sensivelmente desencontrado e incompleto. Em alguns casos sensível a interesses mil.

Volto às manifestações. Estariam elas a exprimir, sem definir, uma desilusão profunda com os alicerces da humanidade?

A dizer, sem verbalizar, que não teremos um futuro digno sem discuti-los? A gritar, em silêncio, que muitos dos mortos foram, na verdade, assassinados?
Pedro Valls Feu Rosa é jornalista, escritor e desembargador no ES/Escreve
semanalmente para a AGC – Agência Congresso.