Por Luiz Trevisan

O título acima, meses atrás, poderia soar como mais uma manifestação de dona de casa ou ambientalista da Grande Vitória reclamando da densidade do pó preto no ar, mobília e pulmões.

Retrocedendo mais no tempo, poderia ser versos do poeta tropicalista Torquato Neto reclamando da opressão política e do peso existencial. Anos depois, ele cometeu suicídio abrindo e aspirando gás do fogão.

Mas agora, em plena pandemia Covid-19, pode significar tudo isso e muitos outros sentimentos de asfixia e perda. O ator Flávio Migliaccio também entrou nesse roteiro infeliz.

Não é à toa que andamos quase todos mais emotivos. Exceto os indiferentes, insanos e alienados: Regina Duarte, atriz de TV, serve para este papel.

Ajustando o foco, eis que Aldir Blanc, o grande poeta da Vila Isabel, sucessor direto da escola Noel Rosa, também partiu, entre tantas vítimas da Covid, e deixou no ar algumas perguntas.

Uma delas: como um cara, médico, letrista e cronista dos melhores, personalidade marcante da vida cultural brasileira nas últimas décadas, não tinha um plano de saúde?

Embora planos de saúde já não garantam muita coisa. E mais: não recebeu sequer um registro de pesar das autoridades da área cultural. Ar cada vez mais rarefeito.

Muito se falou sobre Aldir, da sua marcante parceria com João Bosco, dos clássicos da MPB que compuseram juntos, incluindo o hino da anistia, “O Bêbado e a Equilibrista” evocando o genial Chaplin (“Caía a tarde feito um viaduto, e um bêbado trajando luto…”) e das canções com outros parceiros.

Avalio que faltou detalhar que coube ao Aldir popularizar o diálogo na letra das canções, conforme ocorreu com “Amigo é Pra Essas Coisas”, composta com Silvio Silva (“Salve! Como é que vai? Amigo há quanto tempo. Um ano ou mais. Posso sentar um pouco?…”) e que foi a segunda colocada no Festival da Tupi de 1970.

Atentos pesquisadores poderão questionar, lembrando que, meses antes, “Sinal Fechado”, canção de Paulinho da Viola – vencedora do V Festival da Record, em novembro de 1969 – já continha a mesma proposta de diálogo na letra. (“Olá, como vai? Eu vou indo e você, tudo bem? Tudo bem. Eu vou indo em busca de um sono tranquilo…”).

Aldir Blanc era carioca, médico, nasceu em 2 de setembro de 1946. Foi um dos maiores compositores do país.

Pode ser, mas isso não empana o brilho da canção de Aldir e Silva, bastante popular e que possui diversas regravações. Já a canção do Paulinho da Viola, belíssima, é algo mais trabalhado em acordes dissonantes e silêncios. Acho que as duas, de alguma forma, se completam.

Particularmente, considero geniais vários versos do Aldir, como “Um torturante band-aid no calcanhar” (Dois prá lá, dois prá cá), e “As coisas que eu sei de mim, são pivetes da cidade, pedem, insistem e eu, me sinto pouco à vontade, fechado dentro de um táxi…” (Transversal do tempo), entre tantos outros que ajudam a levar a vida nesta fase tão difícil.

Como todo recluso, era difícil ver o Aldir. Por acaso, passei por ele no aeroporto de Madri, numa viagem feita em 1986. Ele estava encostado num balcão de café. Chamava atenção pela elevada estatura e espessa barba.

Eu nunca soube se ele estava chegando ou partindo. Pensando bem, ultimamente, como nunca antes, andamos todos sem ter certeza de chegar ou partir.

Luiz Trevisan é músico e jornalista no Espírito Santo