VITÓRIA – AGENCIA CONGRESSO – Após 40 anos de jornalismo diário, Luiz Trevisan dedicou os quatro últimos a registrar impressões, relatar experiências, apreciar evidências, conjuntura, curiosidades e traços de personalidades marcantes; de famosos e anônimos, vitoriosos e esquecidos.

Sempre buscando o papel de observador das histórias reais e imaginárias, todas sujeitas ao surrealismo que reveste a vida.

Em sua maioria, as crônicas desta coletânea fazem parte de uma seleção entre mais de 200 textos publicados entre 2016 e 2019, em jornais, revistas, livros, blogs e sites. Algumas são inéditas.

Os temas variam: diversidade de gênero, o celibato, os delírios de uma vida numa ilha remota, as conversas triviais nos elevadores, a impessoalidade na bolha das redes digitais, as relações virtuais, as trajetórias de imigrantes, a urbanização das cidades e seus impactos, os novos costumes, as memórias de viagens, futebol, música, literatura, as conversas de botequim, cenas de cinema, os bastidores da política e cultura capixaba.

Livro disponível na Multilivros, loja do Shopping Jardins.

Alguns dos temas são ilustrados por personalidades como Gerson Camata, Elcio Alvares, Roberto Carlos, Sérgio Sampaio, Danuza Leão, Rubem Braga, Beth Carvalho, Chico Buarque, Garrincha, Tom Jobim, João Gilberto, Guimarães Rosa, Van Gogh, Flaubert, Stephen Hawking, Jane Fonda. Cotidiano, arte e História permeando.

São crônicas que em alguns momentos necessariamente refletem esses tempos distópicos e desafiadores. Mas sem perder a esperança da prosa. Acredito que a prosa, de alguma forma, sempre possa nos explicar e nos redimir.

Trevisan é jornalista, escritor, compositor e músico. São 74 crônicas publicadas pelo jornalista entre 2016 a 2020, em jornais, sites e revistas. Com 259 paginas, a publicação foi feita pela Editora Maré.

Trevisam escreve uma coluna de notícias, Fonte Grande, publicada aos domingos em A Tribuna, e também colabora com site Agência Congresso.

A foto na orelha do livro foi feita na janela da casa de Guimarães Rosa, Cordisburgo, Minas Gerais

A seguir um dos 74 textos do livro disponibilizado pelo autor. Pode ser adquirido pela  Amazon.com.br (ebook) e o impresso. Editora Maré.com.

Aposta Esquiva

Nunca me esqueci de um velho provérbio chinês sobre cavalos de corrida, que um dia li num quadro pendurado em loja de ferragens. Casa de ferreiro, espeto de filosofia: dizia que se um cavalo desconhecido vence uma grande corrida, não quer dizer muita coisa.

Pode ter sido acaso, sorte, acontece. Mas se esse mesmo cavalo vence uma segunda corrida, é bom prestar atenção nele. E se esse cavalo voltar a vencer pela terceira vez, então pode apostar nele.

Provérbios chineses costumam ser espirituosos e exalam conhecimento milenar. Mais profundos do que a rasa literatura de autoajuda vendida a quilo em livros e disseminada pelas redes sociais como ilustração de sabedoria, inserida em conversas, principalmente entre novos conhecidos, para causar boa impressão.

É sabido que ao lado da glória dos vencedores reconhecidos, há todo o anonimato dos perdedores, a grande maioria – aqueles que ficam pelo caminho, superados por um motivo e outro.

A vida de um campeão, seja cavalo ou gente, não é nada fácil nem barata, demanda de muito treinamento, alimentação diferenciada, cuidados especiais com saúde etc. O que também ajuda na formação é a genética, a linhagem existente.

É quase impossível um pangaré gerar um campeão de peso. Isso também costuma se aplicar a outros esportes altamente competitivos. O pai de Pelé era craque, Zico veio de uma família de bons jogadores de futebol, nosso célebre Eder Jofre tinha um pai que sabia tudo de boxe. Então, quase sempre tem uma linhagem ajudando a ir em frente superando obstáculos.

Daí, podemos apostar no capixaba Esquiva Falcão, o primeiro boxeador brasileiro a conquistar uma medalha de prata, nas Olimpíadas de 2012, em Londres. Depois disso ele engrenou 26 lutas vitoriosas, 16 por nocaute.

E agora está na fila para enfrentar o campeão mundial, Ryoto Murata, o mesmo que o derrotou na final olímpica, por pontos, em meio a muitos questionamentos. Há quem diga que Esquiva merecia levar o ouro.

Além da trajetória de vitórias no ringue, Esquiva superou a pobreza e se livrou de um passado em que andava armado e vendia drogas, isso aos 17 anos. Hoje, com 30 anos, avança rumo ao cinturão dos pesos médios.

Tem como inspiração Mike Tyson e o pai, Touro Moreno, o mais conhecido dos boxeadores capixabas, mas que nunca foi reconhecido nacionalmente. “Só levei porrada da vida”, diz Touro Moreno em um documentário feito sobre sua trajetória.

Assim que viu o filho medalhista olímpico, um pouco de sorte bateu à porta de Touro Moreno, em Jacaraípe, na Serra. Foi escolhido pelo apresentador de TV Luciano Huck para ter a modesta casa reformada e equipada, e virou atração nacional por instantes.

Fora isso, Touro sempre teve uma vida de muita luta pela sobrevivência. Reza a lenda que, em certa ocasião, já distante do apogeu físico, incentivado pelo cronista policial Pedro Maia, aceitou o desafio de enfrentar um poderoso lutador bem mais jovem.

Encarou, perdeu, e ainda ouviu do cronista em tom de vingança: “Apostei contra você, e ganhei”. No pano de fundo, havia uma antiga rixa entre o cronista e Touro.

Agora, através do filho – olha aí a linhagem –, Touro Moreno poderá ter a chance de rir por último. E já sabemos que, de acordo com aquele provérbio chinês sobre cavalos de corrida, Esquiva pode chegar ao lugar de maior destaque no pódio do boxe.

Façamos as apostas nele. Diferentemente do que fez com o pai o saudoso cronista Pedro Maia, na bronca por umas questões paralelas. (LT).